AGRAVO – Documento:6939391 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Agravo de Instrumento Nº 5065502-78.2025.8.24.0000/SC RELATOR: Desembargador HÉLIO DO VALLE PEREIRA RELATÓRIO H. C. D. P. agrava da seguinte decisão havida em cumprimento de sentença proposto pelo Ministério Público com o objetivo de exigir multa coercitiva fixada em sentença de ação civil pública: De início, é importante destacar que a superveniência da Lei Municipal 4.242/2023 não é capaz de afastar a incidência da multa executada pelo Ministério Público. Isso porque o período de incidência da multa é anterior ao início da vigência da referida lei. Nota-se que a sentença que estabeleceu prazo de 60 (sessenta) dias para cumprimento da obrigação transitou em julgado em 06/06/2023, de modo que o executado deveria ter cumprido a ordem judicial até 06/08/2023. A Lei Municipal 4.242/2023, por sua vez, entrou em vigor em 06/12/202...
(TJSC; Processo nº 5065502-78.2025.8.24.0000; Recurso: Agravo; Relator: Desembargador HÉLIO DO VALLE PEREIRA; Órgão julgador: TURMA, DJe 31.5.13).; Data do Julgamento: 11 de novembro de 2025)
Texto completo da decisão
Documento:6939391 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Agravo de Instrumento Nº 5065502-78.2025.8.24.0000/SC
RELATOR: Desembargador HÉLIO DO VALLE PEREIRA
RELATÓRIO
H. C. D. P. agrava da seguinte decisão havida em cumprimento de sentença proposto pelo Ministério Público com o objetivo de exigir multa coercitiva fixada em sentença de ação civil pública:
De início, é importante destacar que a superveniência da Lei Municipal 4.242/2023 não é capaz de afastar a incidência da multa executada pelo Ministério Público.
Isso porque o período de incidência da multa é anterior ao início da vigência da referida lei. Nota-se que a sentença que estabeleceu prazo de 60 (sessenta) dias para cumprimento da obrigação transitou em julgado em 06/06/2023, de modo que o executado deveria ter cumprido a ordem judicial até 06/08/2023. A Lei Municipal 4.242/2023, por sua vez, entrou em vigor em 06/12/2023. Logo, a multa incidiu no período de 06/08/2023 a 06/12/2023.
Além disso, embora a demolição esteja prejudicada em decorrência da Lei Municipal 4.242/2023, não houve extinção do processo n. 5008099-04.2023.8.24.0007, no qual está sendo executada a obrigação de fazer extraída da mesma sentença que deu origem à multa. A Egrégia 5ª Câmara de Direito Público do , no julgamento do agravo de instrumento n. 5003444-39.2025.8.24.0000/SC, declarou que não subsiste a ordem de demolição, porém destacou a necessidade de regularização do imóvel (evento 32.2).
Não há, portanto, fundamentos para afastar a multa, já que a obrigação de fazer ainda está pendente.
Todavia, entendo que o valor das astreintes deve ser limitado.
Extrai-se dos autos de origem que a multa foi arbitrada em R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por mês, sem limitação, o que resultou na quantia de R$ 73.312,56, de acordo com o último cálculo elaborado pelo exequente (evento 80.2).
Sabe-se que em caso de excesso deve-se reduzir ou excluir a multa, inclusive de ofício, conforme disciplina o art. 537, § 1º, I e II, do Código de Processo Civil, in verbis:
Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito.
§ 1º O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que:
I - se tornou insuficiente ou excessiva;
II - o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento.
Para que se possa diminuir, limitar ou excluir o valor da multa é preciso verificar se ela se tornou elevada, sendo necessário, ainda, considerar que "a natureza jurídica das astreintes - medida coercitiva e intimidatória - não admite exegese que a faça assumir um caráter indenizatório, que conduza ao enriquecimento sem causa do credor. O escopo da multa é impulsionar o devedor a assumir um comportamento tendente à satisfação da sua obrigação frente ao credor, não devendo jamais se prestar a compensar este pela inadimplência daquele." (STJ. REsp 1.354.913/TO, Relª. Minª. NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe 31.5.13).
Deve-se observar, por conseguinte, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, bem como as condições pessoais do credor e do devedor, além das peculiaridades do caso concreto.
No situação em análise, a ausência de limitação da multa tem o condão de gerar valor exorbitante, em prejuízo ao executado, que é aposentado e recebe cerca de 4 (quatro) salários mínimos líquidos (evento 47.2). Assim, entendo ser viável a redução/limitação da multa para o patamar de R$ 15.000,00 (quinze mil reais).
Tal valor deve ser devidamente atualizado, porém não cabe a aplicação de juros. Acerca da matéria, extrai-se da jurisprudência do STJ que "Sobre o quantum da multa cominatória (astreinte) incide correção monetária, desde a data do arbitramento. Não incidem, todavia, juros de mora, "por representar, ela própria, a cominação pelo retardo no adimplemento exigido" (REsp n. 23.137, Min. Aldir Passarinho Junior; REsp n. 1.327.199, Min. Nancy Andrighi; AgRgREsp n. 1.355.832, Min. Moura Ribeiro).
Por fim, acerca da multa do art. 523 do CPC, razão não assiste ao excipiente, pois não houve depósito voluntário do débito no prazo de 15 (quinze) dias, o que resulta na incidência do referido encargo.
Ante o exposto, acolho em parte os argumentos apresentados na exceção de pré-executividade para:
A) reduzir/limitar o valor da multa diária em R$ 15.000,00 (quinze mil reais);
B) afastar a incidência de juros de mora sobre a multa.
Historiou que o incidente tem por finalidade exigir a "demolição de edificação construída em área de preservação permanente (APP), a remoção de canalização de curso d’água e a recuperação ambiental da área degradada".
Expôs que existe causa suspensiva que justifica a paralisação da execução (art. 313, inc. V, al. a, do Código de Processo Civil). É que em agravo de instrumento (autos 5003444 39.2025.8.24.0000) esta Quinta Câmara de Direito Público reconheceu que a superveniência da Lei Municipal nº 4.242/2023 operava efeitos sobre o caso concreto, permitindo a regularização do imóvel.
Determinei o recolhimento das custas em dobro, o que foi cumprido pelo agravante.
Em seguida, concedi o efeito suspensivo.
Houve contrarrazões.
A Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso.
VOTO
1. Recapitulo:
Por agravo de instrumento, interposto em janeiro de 2025, este Colegiado compreendeu que em razão do caráter continuativo da relação de natureza ambiental em debate, a edição da Lei Municipal n. 4.242/2023 alterava o cenário vigente ao tempo da coisa julgada, permitindo com isso a regularização de imóvel.
Tratamos da coisa julgada e propusemos esta solução intermediária:
3. A coisa julgada é a qualidade da decisão que a torna indiscutível e imutável.
Isso, de todo modo, pode não prevalecer.
Além de limitações objetivas e subjetivas do instituto, o Código de Processo Civil se preocupou com suas limitações temporais:
Art. 505. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide, salvo:
I - se, tratando-se de relação jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito, caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença;
Tem-se, portanto, que a decisão referente a uma relação jurídica de perfil continuado é rebus sic stantibus. Quer dizer, mudado fato ou direito, ela fica prejudicada. Dito de outra forma, um fato novo ou uma norma nova podem fazer com o que o preteritamente decidido não se sustente mais, o que permite um reexame, por assim dizer, desse encaminhamento.
Não se trata de desconsiderar ou de meramente relativizar a coisa julgada, mas de adequá-la temporalmente.
A rigor, na verdade, há novo sopesamento jurídico de uma situação mais recente. Não se está diante da mesma causa de pedir.
No caso dos autos, a questão em debate diz respeito a uma relação jurídica ambiental, que notadamente possui caráter continuativo – e não pode ser outra a conclusão diante da imensa camada de complexidade e evolução que permeiam constantemente o tema (tanto é assim que a legislação municipal vem justamente de modificação recente do próprio Código Florestal).
A "revisão" (como está no inc. I do art. 505 do CPC) geralmente se dá por meio de uma ação nova (como na popular ação revisional de alimentos), mas não vejo impedimentos para que desde logo se possa reconhecer que, diante de demonstração da modificação dos fatos ou do direito considerados, ao menos a eficácia da sentença esteja prejudicada.
Além do mais, são fundamentos próprios da impugnação ao cumprimento sentença nos termos do art. 525 do CPC:
VI - qualquer causa modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que supervenientes ao trânsito em julgado da sentença.
4. A pretensão recursal é esta:
c) No Mérito, requer o PROVIMENTO do presente Recurso de Agravo, tornando definitiva a Tutela Recursal ou, em caso de indeferimento da mesma, que no mérito deste Agravo seja reformada a Decisão Agravada, determinando a extinção parcial do presente cumprimento de sentença quanto a remoção da canalização do curso d’água; bem como determinando que seja oportunizado ao Agravante a regularização do imóvel, de acordo com os preceitos legais da Legislação Municipal n.º 4.242/2023, e por fim que seja autorizada a implantação do PRAD nos termos apresentados pelo Agravante, por ser medida da mais LÍDIMA JUSTIÇA.
Quer dizer, o objetivo da parte é especialmente obstar que a ordem de demolição de construção e de remoção de canalização do curso d' água sejam levados a cabo, tendo em vista a possibilidade de regularização dos imóveis em área de preservação permanente à luz da Lei 12.651/2012, conforme previsto na Lei 4.242/2023 do Município de Biguaçu:
Art. 6º Aos imóveis edificados em área de preservação permanente à luz da Lei 12.651/2012, até 10/05/2021 (data da publicação do tema 1010 do STJ), garantir-se-á o direito de regularização ambiental, mediante compensação pecuniária a ser destinada à Fundação Municipal de Meio Ambiente de Biguaçu - FAMABI.
§ 1º Para a regularização de que trata o caput deste artigo, exigir-se-á, além da compensação pecuniária, parecer técnico da Defesa Civil Municipal, ao qual ficará o proprietário do imóvel vinculado na adoção dos mecanismos sugeridos pelo órgão municipal para mitigação dos riscos apresentados.
§ 2º Observar-se-á, no cálculo da compensação pecuniária do imóvel regularizando, os métodos constantes da Portaria 43, de 22/03/2023, do Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA-SC).
§ 3º Quando se tratar de edificação já existente e que esteja munida de Alvará de Construção ou Habite-se, não se aplicará a previsão de medida de compensação ambiental, mantendo-se o dever do proprietário de adotar mecanismos de mitigação de riscos de desastres.
Ainda que não seja possível concluir que todo encaminhamento da sentença tenha perdido eficácia diante da nova Lei, há claramente a chance de uma mudança de direção pela perspectiva de regularização da propriedade até porque a edificação ali existente (localizada a 27 metros de curso d' água que possui largura inferior a 10 metros, conforme estudo técnico juntado na decisão que colocou fim à fase de conhecimento), por exemplo, não está mais situada em área de preservação permanente.
Veja-se:
Art. 5º Em Área Urbana Consolidada (AUC), a Área de Preservação Permanente (APP) será constituída por faixas marginais de qualquer curso d`água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de:
a) 15 (quinze) metros para os rios cuja largura seja superior a 10 (dez) metros e inferior a 100 (cem) metros;
b) 10 (dez) metros para os rios cuja largura seja superior a 5 (cinco) metros e inferior a 10 (dez) metros;
c) 9 (nove) metros, para os rios cuja largura da margem tenha entre 4 (quatro) e 5 (cinco) metros;
d) 8 (oito) metros, cuja largura entre as margens tenha de 3 (três) a 4 (quatro) metros;
e) 7 (sete) metros, cuja largura entre as margens tenha de 2 (dois) a 3 (três) metros;
f) 6 (seis) metros, para os rios cuja largura entre as margens tenha de 1 (um) a 2 (dois) metros;
g) 5 (cinco) metros, para os rios cuja largura entre as margens seja inferior a 1 (um) metro;
5. Nesse cenário, proponho uma solução intermediária.
Em relação à ordem de demolição, tenho que o mais adequado seja realmente reconhecê-la como prejudicada desde logo, em virtude de a edificação não estar mais em área de APP.
Quanto ao restante, o melhor é oportunizar ao recorrente um prazo para a regularização, como garantido pelo art. 6º da Lei Municipal 4.242/2023.
Já se seguiu recentemente de modo semelhante neste TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Agravo de Instrumento Nº 5065502-78.2025.8.24.0000/SC
RELATOR: Desembargador HÉLIO DO VALLE PEREIRA
EMENTA
AGRAVO DE INSTRUMENTO – CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – TÍTULO RELATIVO A OBRIGAÇÕES DE FAZER FORMADO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA – ORDEM DE DEMOLIÇÃO E DE REMOÇÃO DE CANALIZAÇÃO SUSPENSA EM AGRAVO DE INSTRUMENTO PRECEDENTE – POSSIBILIDADE DE REGULARIZAÇÃO NO PRAZO DE UM ANO – MULTA AINDA INEXIGÍVEL – RECURSO PROVIDO.
1. Está em curso cumprimento de sentença para, em ação civil pública, demolir construção e canalização de curso d'água.
Está Câmara de Direito Público deu provimento a precedente agravo de instrumento, permitindo a regularização em um ano nos termos de lei nova.
2. A astreinte arbitrada na sentença ficou suspensa diante da nova realidade jurídica.
Deve-se aguardar uma eventual mora e então, sendo o caso, recalcular a penalidade.
3. Recurso provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Câmara de Direito Público do decidiu, por unanimidade, conhecer e dar provimento ao recurso para manter suspensos os atos constritivos para satisfação da astreinte até o decurso do prazo de um ano fixado para o cumprimento da regularização do imóvel, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 11 de novembro de 2025.
assinado por HÉLIO DO VALLE PEREIRA, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6939392v19 e do código CRC 57462de9.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): HÉLIO DO VALLE PEREIRA
Data e Hora: 11/11/2025, às 14:24:03
5065502-78.2025.8.24.0000 6939392 .V19
Conferência de autenticidade emitida em 16/11/2025 16:17:25.
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Extrato de Ata EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL - RESOLUÇÃO CNJ 591/24 DE 11/11/2025 A 11/11/2025
Agravo de Instrumento Nº 5065502-78.2025.8.24.0000/SC
RELATOR: Desembargador HÉLIO DO VALLE PEREIRA
PRESIDENTE: Desembargador HÉLIO DO VALLE PEREIRA
PROCURADOR(A): ONOFRE JOSE CARVALHO AGOSTINI
Certifico que este processo foi incluído como item 10 na Pauta da Sessão Virtual - Resolução CNJ 591/24, disponibilizada no DJEN de 27/10/2025, e julgado na sessão iniciada em 11/11/2025 às 00:00 e encerrada em 11/11/2025 às 13:48.
Certifico que a 5ª Câmara de Direito Público, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER E DAR PROVIMENTO AO RECURSO PARA MANTER SUSPENSOS OS ATOS CONSTRITIVOS PARA SATISFAÇÃO DA ASTREINTE ATÉ O DECURSO DO PRAZO DE UM ANO FIXADO PARA O CUMPRIMENTO DA REGULARIZAÇÃO DO IMÓVEL.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador HÉLIO DO VALLE PEREIRA
Votante: Desembargador HÉLIO DO VALLE PEREIRA
Votante: Desembargadora DENISE DE SOUZA LUIZ FRANCOSKI
Votante: Desembargador VILSON FONTANA
ANGELO BRASIL MARQUES DOS SANTOS
Secretário
Conferência de autenticidade emitida em 16/11/2025 16:17:25.
Identificações de pessoas físicas foram ocultadas